domingo, 10 de agosto de 2008

Ela virá

Cansado da brancura de suas paredes, foi à varanda. Sempre teve por hábito gastar uns bons minutos ali, a contemplar os carros que passam, as pessoas que caminham, as cores que mudam no horizonte ao pôr-do-sol. Observação que já se deu em diversas altitudes: a perspectiva variava conforme o número do botão do elevador que precisava pressionar para chegar a sua casa, substantivo que ou se esvaziou de sentido ou abrangeu novos, tudo é uma questão de ponto de vista, em tempos nos quais apartamentos são mais comuns e numerosos do que casas propriamente ditas. Sempre foi um garoto de apartamentos.
A noite tinha algo de especial, céu limpo. Poucas estrelas e nenhuma nuvem. A falta de nuvens era de se estranhar após dias tão chuvosos, mas a ausência de estrelas era comum. Sempre gostou da vida nas grandes cidades, mas se tornava um tanto bucólico ao lembrar dos céus apinhados de estrelas de paragens menos tomadas por asfalto e holofotes. Continuou a observar o céu e começou a pensar que talvez a culpa não fosse das luzes da cidade. Talvez todos tenham decidido tirar folga naquela noite: nuvens, estrelas, cometas. Até mesmo aviões. Deu-se conta de que não vira um avião sequer em todo o seu momento de contemplação. Vai ver até os céus precisam de descanso, pensou. O frio não lhe incomodava, não era intenso, como se fosse uma bela dama a acarinhar-lhe braços, pernas e rosto com as mãos, mas sem abraçá-lo com força.
As ruas também careciam de movimento. Quase nenhum carro cortava as avenidas que conseguia ver da sua torre de observação. Foi então que percebeu que a quietude era plena, tomava céus e terra. Era como se tudo se encontrasse em repouso, às vésperas de algo por acontecer.
Num arroubo egocêntrico, achou que o mundo estava embebido na sensação que lhe tomava por dentro. Em pé, cotovelos apoiados no parapeito, via o mundo. Mas, na verdade, estava ali para que o mundo o visse. Queria sair do anonimato de seu quarto, da discrição de seu apartamento, do desconhecimento de sua rotina. Queria ser visto, ser ouvido, ser tocado. Queria a emoção, a ansiedade, a vontade, as decepções e, principalmente, as conquistas. Estava ali em busca de uma vida que sabia ser sua, só não estava com ele ainda. Andava por aí, perambulando pelas ruas fazendo sabe-se lá o quê, desperdiçando o tempo de ambos. Faltava apenas que se encontrassem, ele e a vida que era pra ser sua. E estar ali, simplesmente parado na varanda, parecia diminuir a distância entre eles.