segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Senta que lá vem a história

Além de todos os outros usos e funções (como ser o reduto da miguxidade e dos fotologs de emos exibindo suas franjas milimetricamente lambidas sobre a testa), a internet virou o grande disseminador de lendas. Eu mesmo já recebi uma boa dose de e-mails contando aquelas histórias que você não sabe se são reais ou vizinhas da Branca de Neve e da Cinderela.
Uma delas é a de que o Kuat causa câncer até em ponta dupla de cabelo. Como bom cético prevenido que sou, fiz logo uma pesquisa na “internê” (Google, essa entidade constante na minha vida) para descobrir se o “causo” tinha embasamento. Logo descobri que se tratava de um saci pererê virtual.
Outro grande clássico é o e-mail solidário, aquele Criança Esperança da Internet. Sabe como é? Aquele “a cada e-mail enviado a Fulana da Silva (sempre um nome de criança bem carismático) recebe R$ 0,10 para o tratamento da sua leucemia mielóide aguda”. Já fiz também a devida pesquisa pra constatar que isso é uma grande bullshit.
O caso que gera maior polêmica é o famoso caso do carro que tem alergia a sorvete de baunilha. Não conhece esse clássico? Então você precisa conhecer: http://www.baguete.com.br/colunasDetalhes.php?id=2840 . Apesar das várias referências ao caso em sites até sérios (como esse), eu ainda tenho minhas dúvidas se isso é verdadeiro. É um caso surreal demais.
Agora se eu receber um e-mail contando uma história de alguém que foi prontamente atendido pelo SAC de alguma empresa brasileira que resolveu o problema com toda a atenção e sem usar gerúndios em todo o atendimento, eu afirmarei categoricamente: É MENTIRA!!!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Rapidinhas

- Em letras garrafais, no vidro traseiro de um Chevette: DEUS É FIÉL. Tomara que ele não seja fiel à gramática.
- Mais um prêmio ironia para o SBT: no Cine Belas Artes (frise-se novamente o “Belas Artes”) foi exibido o filme “Clube dos Pervertidos” (preciso desenhar o enredo?). É tipo fazer um programa chamado “Clássicos da Bossa Nova” e exibir um episódio sobre o “Créu”.
- Aproveitando o clima de eleições, não posso deixar de comentar: havia um candidato à prefeitura de Goiânia chamado Sandes Júnior. Fico imaginando qual seria a musiquinha do jingle de campanha dele... “Abre a porta, Mariquinha”?

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Para americano ver

Desculpem o trocadilho do título, mas é que a notícia me deixou profundamente indignado. A Federação Nacional dos Cegos dos Estados Unidos está organizando protestos contra o filme Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles, baseado na obra homônima de José Saramago. "O filme mostra os cegos como monstros e eu acho que isso é uma mentira", disse Marc Maurer, presidente da Federação. Segundo a associação, o filme firma estereótipos falsos, como que os cegos não conseguem cuidar de si mesmos e estão sempre desorientados. "Nós temos uma taxa de desemprego de 70% e outros tipos de problemas sociais porque as pessoas acham que nós não podemos fazer as coisas, e o filme não vai ajudar o nosso caso", disse Christopher Danielsen, um porta-voz da organização*.
Descontada a minha veneração por Saramago e toda a sua obra, em especial essa, que eu ainda acho ser seu melhor livro, e minha recém-adquirida admiração pelo Fernando Meirelles, após ver que o trabalho fenomenal de Cidade de Deus e o de Ensaio Sobre a Cegueira não podem ser coincidências, passemos aos fatos. Em primeiro lugar, os membros da Federação ignoram o fato de que há um grupo de cegos no filme e no livro que mantêm sua humanidade. Aliás, eles se mostram mais humanos justamente porque perderam a visão e são claramente retratados como os “mocinhos” da história.
Mesmo que não houvesse isso, o que os membros de tal Federação querem alegar? Que, pelo fato de serem uma minoria ou serem desprivilegiados de alguma forma, eles não podem ser retratados de maneira negativa? Se é assim, o próximo passo será banir de toda e qualquer obra cinematográfica e literária (sim, pois o livro existe há mais de 10 anos, fato que a tal Federação parece ignorar) personagens de minorias com características negativas: não será mais permitido haver negros traficantes, gays assassinos, ladrões pobres, mulheres frágeis e incapazes. Todas as minorias terão que ser retratadas apenas como os heróis, personagens perfeitos e infalíveis. Saibam desde que já que os “bandidos” serão sempre homens, brancos, de boa condição financeira, heterossexuais, sem nenhuma deficiência física, não judeus (afinal, eles já foram tão perseguidos também).
O assassino de um braço só de O Fugitivo? Esqueçam. Deficientes não podem ser assassinos. Joguem no lixo O Silêncio dos Inocentes e um dos personagens mais brilhantes e marcantes do cinema, Hannibal Lecter, ou alguma federação GLBT pode implicar. Incinerem o próprio Cidade de Deus, cheio de negros pobres ladrões, traficantes e assassinos (Fernando Meirelles deve mesmo odiar as minorias).
Quanto à alegação de que os cegos são retratados como pessoas desorientadas que não sabem se virar sozinhas, eu pergunto: o que deveria se esperar de pessoas que perdem a visão de repente, vítimas de uma epidemia inexplicável? Ainda mais quando todos ao seu redor começam a cegar também. Os “cegos da vida real”, mesmo quando desenvolvem habilidades para se virar sozinhos, acabam precisando de ajuda para uma coisa ou outra. Sempre vejo pessoas ajudando cegos a atravessar a rua, a entrar no metrô e sair dele. E não vejo nenhum problema nisso. Sei que a minha posição como alguém de saúde perfeita é muito confortável, mas sempre achei que a maior prova de humildade é saber reconhecer quando se precisa de ajuda. A maior soberba é achar que você não precisa da ajuda de ninguém, mesmo quando não se tem nenhuma deficiência.
Já fui contra o politicamente correto aqui neste blog várias vezes, mas sempre em tom de brincadeira, falando de como programas humorísticos eram mais livres e escrachados quando não reinava o guia de bons modos em relação aos sentimentos de minorias. Mas ver que querem levar o politicamente correto à última instância sobre obras artísticas me deixa profundamente preocupado com o futuro da liberdade criativa, do pensamento artístico, da liberdade de expressão. Tal posição da Federação Nacional dos Cegos dos Estados Unidos me parece de uma visão extremamente obtusa, mesmo para cegos.
*extraído de: http://www.omelete.com.br