segunda-feira, 13 de março de 2006

Sem noção gramatical

Eu acho que noção deveria ser vendida em supermercado ou em padaria. A pessoa chegaria lá e pediria: “Me vê trezentos gramas de noção”, ou “Eu queria meio quilo de noção, mas cortado bem fininho”. O problema seria dimensionar os estoques para atender a todos, porque existe um pessoal que iria precisar comprar no atacado. Assim, coisa de tonelada! Sábado eu fui buscar o encarte do meu CD do The Gift com o Vinícius, um amigo que fiz na comunidade da banda no Orkut. Ele estava trabalhando numa exposição sobre música eletrônica que acontecia no Centro Cultural Telemar, próximo ao largo do Machado. Já que eu fui até lá, aproveitei para dar uma conferida na exposição. Enquanto eu esperava meu iPod (chique, bem!!) para ouvir os diferentes tipos de ritmos e batidas, fiquei lendo os textos explicando cada variação da música eletrônica. Sabem aqueles textos formados por letras adesivadas nas paredes da sala de exposição? Pois é. Logo no primeiro texto, percebi que alguém havia riscado com caneta um acento indicativo de crase de uma frase: “... que deu início À cultura dos clubes...”. Eu fiquei duplamente horrorizado: em primeiro lugar, porque corrigiram algo que não estava errado (como “dar início” pede a preposição a – se dá início A algo – e cultura é uma palavra feminina que aceita o artigo a, ocorre a crase – fusão das duas letras – e o seu acento indicativo é obrigatório) e, em segundo, porque riscaram a parede de uma exposição. Até aí eu consegui segurar a minha ânsia de pretenso professor de português e perfeccionista e segui lendo os outros textos. Quando eu estava ocupado na minha leitura, percebi uma senhora mais à frente sacando uma caneta e riscando a parede! Descobri!! Foi ela!! Obviamente, esperei que a dita madame saísse para ir ver qual teria sido a nova “correção”. Outro choque: ela colocou um acento agudo em “ritmo”. Para quem ficou perdido e não imagina onde caberia um acento agudo nessa palavra, foi no “i” mesmo que ela tascou o acento. Aí foi demais para mim! Voltei ao balcão de entrada para saber se aquela senhora fazia parte da organização da exposição, mas, ao lá chegar, o Vinícius e o restante do pessoal já estava comentando sobre a psicopata da caneta. Ou seja, não só ela estava fazendo correções que não existiam nos textos, como também se achou no direito de puxar uma caneta e riscar as instalações de uma exposição sem pedir licença. Se ela fizesse parte da produção, eu iria, educadamente, dizer que ela estava corrigindo os textos de maneira errada. Como eu descobri que se tratava de uma véa doida e sem noção, aproveitei para malhá-la juntamente com o pessoal do evento. Mas não parou por aí! Em meio à nossa discreta execração da professora de português do Mobral frustrada, descobri que ela tinha corrigido mais coisas do outro lado da parede, na parte de fora da sala de exposição. De fato, a senhora tinha algo contra acentos de crase no lugar certo. Ela cortou o acento de “... cresci assistindo À evolução dos videogames...”. Tudo bem que o verbo assistir pode ser transitivo direto, mas apenas quando significa prestar assistência, e, no caso, estava claro que significava ver, testemunhar, o que o torna transitivo indireto, pedindo a preposição a. Mais abaixo no mesmo texto, nossa futura escritora de gramáticas deixou passar um erro que o Vinícius já tinha percebido: “... cada movimento implicava em um resultado sonoro...”. Implicar é transitivo direto: uma coisa implica outra, não em outra. Ironicamente, se fosse uma prova, a autoproclamada professora de português tiraria nota zero: 4 erros em 4 questões

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